Aquela garota tinha dezoito anos quando faleceu. Era jovem,
bonita e esforçada, fazia faculdade de noite e trabalhava de dia para ajudar em
casa. Estava indo ao trabalho de bicicleta quando foi atropelada. Ela
provavelmente tinha sonhos. Provavelmente tinha desejos, estava planejando o
que comer a noite, o que fazer amanhã, qual festa ir fim de semana, onde
gostaria de estar com vinte e cinco anos, e até mesmo pensava se era com aquele
cara que ia casar. Se me perguntarem quem era ela, vou apenas dizer que era a
recepcionista bonita do consultório que eu ia, que faleceu.
Mas e eu, quem sou?
Planejamos tanto nossa vida, planejamos os próximos minutos,
próximas horas, semanas, meses e até anos! Eu chego a passar horas imaginando
quem quero ser no futuro, sem ao menos saber quem sou agora.
Estudo, trabalho, ajudo minha família, me esforço para fazer
tudo certo. Faço isso. Faço aquilo. Limpo aqui. Arrumo ali. Estou em vários
lugares fazendo várias coisas. Tento ser perfeccionista mais ainda assim não dispenso
uma boa preguiça. Julgo-me mentalmente por errar. Xingo-me demais! Às vezes
mais do que gostaria de escutar de mim mesma. Sim, falo sozinha, e até que me
acho uma boa companhia.
Mas continuo pensando em quem sou eu?
Então me olho no espelho. Um espelho velho e meio sujo.
Agradeço por ter uma casa, mas não é a casa dos sonhos, começo a sonhar com o futuro
e penso se um dia terei a casa dos sonhos. Acordo do devaneio e volto ao
espelho velho. Você gosta do que vê no reflexo? Espinhas novas aparecendo, será
que estou acima do peso? Por que não consigo ter um corpo dos sonhos igual
daquela outra garota que parece nem sofrer para mantê-lo? Meus seios poderiam
ser maiores na mesma proporção que a barriga e cintura menores. Pego uma lupa
para olhar de perto e me decepciono ainda mais. Nem produto importado conserta
isso.
Começo a criar pré-conceitos em minha cabeça sobre quem sou
eu. Minha autoestima desce a níveis desconhecidos ainda pela humanidade.
Não sou a pessoa influente como gostaria. Tenho vergonha e
sou tímida. Me intimido fácil e me contraio da sociedade. Não tenho tantos
likes e nem seguidores como gostaria. As pessoas não se esforçam para ficar do
meu lado – não que isso seja importante, mas seria divertido ser emocionante minha companhia, pelo menos uma vez na vida. Não tenho dinheiro
para poder viajar aonde quiser, e nem para ter uma casa ou um carro legal, de
preferência que faça rampa sozinho...
Também não tenho dons que atraiam essas coisas a mim. Não
sou foda nos desenhos, nem na atuação ou no canto. Não sou boa com esportes,
muito menos com o mundo fitness. Não tenho contatos ótimos que me levam ao
sucesso, simplesmente porque sou introvertida demais para isso. Gosto de
escrever, mas na maior parte do tempo estou sem inspiração. Gosto de trabalhar,
mas é raro quando não estou com preguiça de fazer um bom marketing. Apenas sou boa em ser útil, sou a utilidade oficial da casa, que todos lembram e chamam para resolver os problemas. E só, mas esquecem da minha presença em qualquer outra circunstância. Será esse meu propósito na vida?
Aí vejo tantas pessoas a minha volta se dando bem, se
esforçando e acertando os chutes, que martela aquela pergunta:
Quem sou eu?
Quem sou eu?
QUEM
SOU
EU
?
A vida é como uma loteria. Você decide se quer ficar parado
sem acompanha-la, ou correr atrás dia após dia com o sonho de ser alguém. Você
pode acertar ou não! Quantas pessoas iguais a mim tiveram os mesmos sonhos e
conseguiram? Quantas pessoas não conseguiram e morreram tentando? Não sei o que
me espera no futuro, e o destino que me perdoe, mas não quero ser a pessoa que
faleceu jovem enquanto ainda planejava o que compraria para jantar a noite. Mas
por enquanto, a pergunta permanece.
(http://leonardof.med.br/2011/11/28/visita-domiciliar-de-bicicleta/)
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