segunda-feira, outubro 29, 2012

A senhora do apartamento 1033

    Estava frio em Porto Alegre, como se isso fosse uma novidade para os habitantes, frio na grande e bela cidade do sul era tão previsível. Claro que não importava para mim, foi para isso mesmo que decidi visitá-la ao invés de acampar com a turma de ex-alunos da faculdade na praia carioca. Odeio calor, não suporto transpirar, me sinto mal em usar biquíni e mar então, morro de medo. Sou bem mais fã de um frio, uma coberta e lareira, e no local que eu estava havia tudo isso. Apesar disso, nem eu mesma sabia o que estava fazendo ali, não fui visitar um namorado, nem familiares que não vejo a tempo, e muito menos como excursão, apenas peguei o carro e fui não ligando para a quantidade de quilômetros que viajaria.
    Na verdade não há do que reclamar me formei em Direito como meu pai quis, numa universidade incrível a qual minha mãe sonhou ganho meu próprio dinheiro e já tenho até um pequeno apartamento. Não falta nada, ou não deveria se não fosse pelo vazio sentido toda vez que leio qualquer livro, e imagino meu nome escrito atrás de cada um dele.
    Passei meu dia dentro de um quarto de hotel vendo a chuva fina cair, foram assim todos os três primeiros dias lá. A única pessoa que conheci e fiz um pouco de amizade foi a senhora do apartamento 1033, que adorava sorrir pra mim quando eu passava, mas nunca dizia nada.
    No quinto dia, que saiu um lindo sol apesar da baixa temperatura, conheci mais a cidade. Fui ao Shopping, caminhei no parque e passei o resto da tarde sentada num banco olhando a praia vazia. De longe, avistei a mesma senhora do hotel, que alimentava os pássaros com um pedaço de pão velho, ela sorria empolgada por vê-los alvoroçados daquele jeito, felizes com o alimento.
- Incrível como eles se contentam com tão pouco, os animais, não acha? – disse ela quando se aproximou – Um pedaço de pão é o suficiente para deixá-los satisfeitos no resto do dia. – sorri concordando, alimentando um breve silêncio, que foi interrompido. – Geralmente pessoas quentes vêm a lugares frios para se acalmarem, mas parece que você passou por uma tempestade de neve antes de chegar. – indagou.
- Apenas não estou numa boa fase. – respondi em minha defesa.
-O estado de espírito só depende de nós. Há muito para viver e muito para sentir. Se quiser ganhar dinheiro, faça o que for propício, no entanto, se está procurando um elixir da vida eterna ame intensamente como um cão, seja livre como um pássaro e egoísta como um gato, fazendo apenas o que você quiser, mesmo que o muro seja alto demais para voltar para casa.
    Não sei se o que mais me indagou foram aquelas palavras ou o olhar azul intenso por trás daquele rosto aparentando seus noventa anos, declarando saber mais de mim do que eu própria. Fazendo-me tirar da gaveta imediatamente todos os opúsculos que ficavam em meu quarto da cidade natal, que nunca foram anunciados.
    No dia seguinte decidi que era hora de voltar, sem fugir da realidade e pensar na vida como ela deve ser, bati no apartamento 1033 para me despedir da senhora, porém infelizmente não atendeu. Passei pelo porteiro perguntando por ela, que com os olhos arregalados respondeu:
- Lamento, mas desde o acidente com fogo há três anos, naquele quarto não mora ninguém.

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