domingo, novembro 30, 2014

Dia Nublado


   "E então eu acordo em um dia nublado. As imagens de ontem ainda estão nítidas e os sonhos de amanhã, desfocados. De que valem os sonhos? Metas, objetivos, idealizações... A vida corre mesmo sem eles. Continua a me puxar para ela, sem que meus remos contenham sua correnteza. Por mais que eu queira mudar o rumo, viajantes paralelos insistem em me lembrar do lugar que me foi destinado.
   E então eu acordo nesse dia nublado. Querendo acender a luz. Tentando conter o frio. Desvendando as sensações interiores. Cá estou. Tantas pessoas vindas em uma só embalagem. Inconstante, inconsequente, inadequada. Ora gostando do azul, ora do verde, nunca do laranja. Completamente apegada às pessoas que me fazem bem, ou que tentam, ou que poderiam fazer. Fugindo de quem sabota minha autoestima. Lutando contra o masoquismo. Anotando mentalmente que devo privilegiar o que já tenho e não o que eu quero ter. Difícil escolher o caminho correto. Sempre fui indecisa. Dizem que para ser feliz no futuro, basta viver bem o presente. Sim, neste exato momento tudo está bem. Apesar das nuvens e do vento. Impossível é acreditar que isso basta. O poço que existe por dentro é muito fundo. Pulsão. Aprendi isso em alguma aula algum dia. Aquela aula que eu lembro no meio de todas que não lembro. Pulsão. É o que nos move a continuar sempre andando para a frente. Sempre querendo mais. Sempre querendo o braço depois da mão e depois a perna. Eu quero mais que a perna. É errado não me contentar só com o que está ao meu alcance? É errado querer mudar a direção no meio do caminho? É errado ter várias opiniões sobre o mesmo assunto? É errado não ter opinião sobre um assunto?
   E então eu acordo e o dia continua nublado. Tenho que encarar meus sentimentos, que não me deixam nem enquanto eu durmo. Difícil discernir o que quero do que preciso. Eu preciso saber para onde vou, para que eu possa chegar a algum lugar. Eu preciso saber para onde vou, para que eu possa chegar a algum lugar. Eu preciso entender que já tenho idade para saber dizer "não". Eu preciso ser independente. Eu quero um computador para armazenar meus pensamentos. Eu quero aquela bota que vi ontem. E eu quero você... Sim, no meio dos meus desejos de consumo está você. Quero tanto você que é aí que entra a contradição entre o querer e o precisar. Eu não quero, eu preciso de você. Eu preciso que você precise de mim. Desejo de ter aqueles momentos de paz e tormento, que os olhos nos olhos certos provocam. Como localizar os olhos certos? Deveríamos vir com um radar. Para não termos que voltar tantas vezes no meio do caminho. A preguiça de pegar outra estrada para te buscar já me fez naturalmente abafar esta vontade. E vira outra pulsão reprimida. 
   E eu acordo nesse dia tão nublado. Como uma esponja. absorvo o que dizem e transformo as palavras em metáforas. A vida é uma constante metáfora. Eu só queria viver sem questionar tanto. Sem entender vários significados na mesma frase. Queria me contentar apenas com o que está acessível. Aceitar o que estipulam para mim. Por que todos sabem o que é melhor para mim? Pensam que sabem... Se eu já não sei, é certeza que os outros saibam ainda menos. Eu me conheço tanto e ainda assim não me conheço o suficiente. Pois façam de mim a imagem distorcida que quiserem. Já basta o meu dia nublado. Não vou mais provar o que eu quero. Não quero e não preciso. Não está pronto. Não vende no shopping. E eu não preciso (e nem quero) entender tudo agora. 
   O dia está tão cinza que nubla também o pensamento. E eu volto a dormir, para acordar talvez algum dia, em algum dia menos embaçado. Em que meus olhos possam focalizar melhor o que tentam enxergar."

Texto de Paula Pimenta, retirado do livro "Apaixonada Por Histórias". Gosto muito das cônicas dela e achei que vocês mereciam lê-las também. Espero que gostem. Espero um dia escrever lindamente assim como ela!
Beijinhos ;**

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